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Amor por Portugal: bacalhau a lagareiro

Olha essa coisa mais linda! chama-se bacalhau à lagareiro.


A primeira vez que comi um prato assim foi em Portugal, na região do Algarve, numa linda cidade chamada Tavira. Lógico que todo mundo já ouviu falar do bacalhau português e eu tinha grande expectativa sobre como seria. Me lembro de com certo constrangimento perguntar ao garçon: "Oi amigo eu queria um desse bacalhau à lagareiro, mas o que é o que é um bacalhau à lagareiro?” Certeza que ele riu da minha cara por dentro, mas muito educado simplesmente respondeu: "Ora pois, é um bacalhau no azeite com alhos e batatas ao murro! Querias? Hum... quer dizer então que não queres mais?”

Eu me divirto com os portugueses. Especialmente porque casei com o filho de um. Portugal foi definitivo no meu amor pela culinária. Quero aprender a fazer tudo que se come lá.

Vamos parar de enrolação e ir direto ao prato.


A primeira coisa que você tem que saber é que fazer um prato como esse é fácil. Parece muito difícil, mas é fácil. O segredo está em escolher os ingredientes certos. Os mercados brasileiros melhoraram muito e hoje em dia vendem não só o bacalhau salgado mas posta de bacalhau norueguês, fresca, congelada. Não pegue o filé que é mais fino e tem espinhas, pegue a posta, que é a alta e as espinhas são centrais.


Porque é a parte mais demorada, você vai começar pelas batatas. Em uma panela você deve cozinhar aquelas batatinhas pequenininhas, de 6 a 10 unidades por pessoa, depende muito do apetite seu e dos seus convidados. Cozinhe ela com casca mesmo, fica mais gostoso. Ela deve cozinhar até ficar macia. Não esqueça de botar sal! Já fiz isso e não é legal...

Quando estiver macia retire e escorra a água. Coloque numa assadeira de metal. Elas devem ficar espaçadas umas das outras. Quanto mais próximas ficarem menos crocante a casca ficará e menos português, menos lagareiro. No tabuleiro, entre as batatas, distribua dentes de alho com casca e tudo. Por cima, pimenta do reino e alecrim. Regue com azeite, não muito mas o suficiente. Isso quer dizer que você não vai enxergar o azeite no fundo da assadeira mas não é somente um fio.

Leve ao forno. As batatas ficarão no forno por no mínimo uma hora, até que estejam bem coradas. Durante esse tempo mexa-as pelo menos uma ou duas vezes, para que elas corem por inteiro.

No bacalhau português mesmo não vai, mas eu fiz uma inovação e gosto muito de por tomate cereja ou grape. Quando passar meia hora das batatas já no forno, eu adiciono uma caixinha de tomate cereja. Eu gosto do tomate assado. Ele deixa o prato colorido, com uma cara de Brasil. Não coloque o tomate antes. Ele é sensível e queimará. Junto com tomate, ou seja, meia hora depois de você colocar a batata, também pode colocar azeitonas pretas. Quanto maiores mais gostosas. As zapatas, espanholas, ficam uma delícia. Mas há quem goste mais daquela bem pequenininha mesmo.

Então vamos a posta, que é o prato principal.

Aqui em casa encontro no Pão de Açúcar, custa cerca de R$ 80 uma embalagem com 3 postas que dá para 6 pessoas. Como está congelado, para mim serve para três almoços. Já que um prato de bacalhau custa cerca de R$ 100 num restaurante português aqui em São Paulo, acho que tá muito bem pago o investimento.

Tire uma das postas, deixe descongelar, e corte a posta ao meio. Não se preocupe em retirar a espinha, ela vai sair naturalmente depois que você ferver um pouco bacalhau. Se você tentar tirar com ele congelado ou cru, a tendência é rasgar a carne, e você vai perder a qualidade das lascas que se abrem quando você espeta com o garfo. Hum... Que delícia. Já estou com água na boca.

Em uma panela média coloque água para ferver. Dentro dela 4 ou 5 dentes de alho descascados O alho irá aromatizar a água, o que faz muita diferença. Culinária é sabor, cheiro e visão. Dedique-se sempre aos três elementos e você não vai errar.

Coloque na água um pouco de sal. O seu bacalhau está congelado mas não é salgado. Eu como comida com pouco sal. coloque a gosto. Espero ferver por uns 5 a 10 min para cozinhar o alho.

Com a ajuda de um tipo de pegador de salada (eu chamo aqui em casa de “a garra” porque não tenho a menor ideia do nome oficial) pegue a metade da posta de bacalhau e coloque na água. Deixe entre 5 a 10 min. Você perceberá que ele vai mudar de cor. Irá de uma cor de carne de peixe cru para um branco mais leitoso. Quando mudar de cor pode retirar, se você deixar passar o ponto ele perderá o efeito das lascas mas não é nada crítico, não se desespere. Eu particularmente gosto do bacalhau quase cru mas é uma questão de gosto. Respeite o seu.

Repita o procedimento com a outra posta. Coloque em uma travessa e regue com azeite. Quanto maior a qualidade do azeite mais saboroso vai ficar. Passe o azeite pelo bacalhau todo, sem desfazer as lascas! Só aquela lambuzada.

Os alhos que você estava cozinhando junto com a água separe em um potinho, usaremos eles depois para fazer uma entrada com torradas.

Estamos agora para mais da metade do preparo. Demora. Comece cedo e com gosto.

As batatas estão praticamente prontas o seu bacalhau já cozinhou. Falta a parte final.

Você deverá picar vários dentes de alho em lâminas. O segredo do lagareiro é o alho frito no azeite até que fiquem crocantes, mas não escuros. Preste atenção: o alho continua queimando depois que você desliga o fogo, então não deixe para desligar quando ele estiver no ponto certo, se não vai queimar...

A outra adaptação que fiz em relação ao lagareiro original são essas tiras escuras que você vem em cima do bacalhau. São cebolas caramelizadas. Eu gosto bastante e elas saíram de outra receita de bacalhau português (nas natas. Um escândalo para outro dia!). Basicamente você corta um cebola para duas pessoas em rodelas medianas. Escolha uma frigideira de fundo grosso, que aguente bem calor. Coloque as rodelas de cebola na frigideira, com bastante azeite, e deixe refogar até que a cebola comece a ficar escura. A cebola do bacalhau não pode soltar água, então lá tem que ficar marrom, quase preta.

Vai bastante azeite mesmo. Não tem problema. Você vai usar esse azeite para regar o bacalhau e as batatas na hora de servir. É inevitável. Todo prato português é calórico por conta da quantidade de azeite que leva, então tente usar os ingredientes mais frescos possíveis nos legumes que o acompanham.

Aqui em casa meu marido gosta de brócolis. Então eu faço um pouco do brócolis brasileiro, refogado no alho, numa textura bem ao dente, obtido assim que o verde do brócolis mudar de cor para um tom mais vivo. Menos de 5 minutos no fogo. O brócolis dá um detalhe especial no prato e pode ser substituído por aspargos, se você preferir e quiser deixar o prato ainda mais sofisticado

Falta só fritar o bacalhau. Faça isso quase na hora de servir mesmo. Apenas quando todos os acompanhamentos estiverem prontos! Não se esqueça que a cebola já deve estar caramelizada, o alho já deve estar torrado e a batata já saiu do fogo do forno.

Com tudo pronto, passe o bacalhau que estava esse tempo todo repousando embalado no azeite na farinha de trigo. Use a mesma frigideira do fundo grosso que você usou para a fritara a cebola, ainda com o azeite no fundo. Pode ser o que sobrou da cebola mesmo. Cuidado, é apenas o tempo da farinha fazer uma casquinha dourada. Eu uso para fritar a mesma garra que usei para ferver. Como a posta é grossa você deve ficar de olho e fritar nos quatro lados

Agora estamos na hora de montar.

É ao gosto do freguês. Eu gosto de montar os pratos e servi-los montados. Fica muito bonito e impressiona. Tenho pratos bem coloridos no estilo de cerâmica portuguesa. Coloque primeiro as batatas, e com a mão fechada dê um murro de leve em cima de cada uma apenas para batata abrir. Este é um acompanhamento clássico de Portugal chamado batatas ao murro. Coloque junto das batatas o alho, o tomate e azeitona assados, fazendo a volta de fora do prato.

No centro, três ramos de brócolis. Em cima do brócolis a posta de bacalhau. Passa um fio de azeite em cima de tudo. Polvilhe o bacalhau com alho laminado torrado e a cebola caramelizada. Ponha cebolinha por cima se você gostar.

Pronto! Simples assim! Parece difícil mas se arrisque. Só é demorado.

Este é um prato trabalhoso, mas você pode fazer aos poucos, uma coisa de cada vez. O que é crítico é coordenar o tempo da batata com o do bacalhau, pois a batata é gostosa quente e se ela esfriar perde a textura saborosa.


Eu tenho dois segredos que sempre uso na cozinha.

Eu já te contei que cozinho pensando em coisas boas. O alimento absolve as energias boas e elas se espalham por quem come, gerando conforto e prazer. Você com certeza está cozinhando para alguém especial, então capriche!

O meu outro segredo é que sempre cozinho ouvindo música, de preferência uma música que tem algo haver com a comida que preparo. Gosto de fazer bacalhau ouvindo Madre de Deus. Tenho dois filhos e estou grávida do terceiro. A casa em geral está uma bagunça. Mas coloco meus fones de ouvido e ouço minha música.


Para beber, o acompanhamento faz toda a diferença. Eu gosto do Casal Garcia verde bem gelado. Para quem gosta de cerveja artesanal, escolha uma mais leve, com baixo amargor. Se você não pode beber, esprema em uma taça bonita meio limão ou meia laranja lima. Adicione meio maracujá com as sementes mesmo. Alguns cubos de gelo, água com gás, um canudo e folhas de hortelã. O sabor frisante realça o sabor do bacalhau e deixa a sua refeição ainda mais saborosa e sofisticada.


No próximo post te ensino a fazer as “natas do céu”. Se você quiser um almoço verdadeiramente português, precisa de uma sobremesa à base de gema de ovos.


Espero que goste. Até a próxima. Beijos.


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